Wednesday, April 26, 2006

Klee

O ensinamento de Paul Klee em Weimar e em Dessau
Helen Schimidt-Nonne

Tradução de Maria do Ceu Diel

Sugestões de Milton José de Almeida

Klee definia seu ensinamento na Bauhaus “ uma prática com meios formais”. O desenvolvimento de tal pratica era racional, rigoroso, mas a apresentação dos problemas, apesar de possuir a mesma precisão das formulações dos matemáticos e fisicos, era poesia purissima. Klee estudou as regras das obras de arte e sua maneira de expo-las a apresenta-las era vivo, rico de imagens , faceis de aprender. É um raro privilégio ter como professor alguem que sabia praticar uma consciente distancia da sua própria obra. Klee falava de si:
Quando fui levado a lecionar, fui obrigado a clarear para eu mesmo- o que era sempre inconsciente- o que em verdade eu fazia.” Assim nasceram as páginas que foram publicadas em 1925 com o titulo de “ Pädagogisches Skizzenbuch”, ou o Livro de Esboços Pedagógicos como principios fundamentais de uma parte dos ensinamentos teóricos no Staatliches Bauhaus de Weimar.

As páginas originais do Pädagogisches Skizzenbuch foram mostradas ao público na mesma sala com o teto envidraçado onde foram ministradas suas lições, durante a primeira Exposição da Bauhaus em Weimar, no verão de 1923.

No âmbito de sua reflexão teórica, Klee havia já escrito em 1918 e publicado em 1920 Schöpferische Konfession (O credo Criativo), enquanto em 1923 já estava no prelo outro importante ensaio Wege des Naturstudiums (Caminhos para o estudo da natureza), apresentado no volume Staatisches Bauhaus in Weimar 1919-1923.

Após isto, em Janeiro de 1924, realizou no Museu de Jena( durante uma exposição de seus quadros) a conferência Über die modern Kunst, ( Sobre a Arte Moderna) e seu credo artistico.

Juntamente com sua produção pictórica ja bastante rica, Klee levou consigo uma bagagem de experiencias e reflexões teóricas que se apoiavam continuamente no âmbito de seus ensinamentos sobre a forma, no desenho da natureza e nos exercícios com os meios figurativos.
A articulação de sua atividade didática na Bauhaus -para os estudantes que seguiam o curso de pintura livre- era particularmente feliz: de um lado havia o ensinamento teórico e de outro as análises e a correção dos trabalhos, enquanto os aluno deveriam expor que coisa estavam propondo realizar e com que meios conseguiriam faze-la. Klee desenhava com giz numa pequena lousa o que deveria ter sido feito para conseguir o efeito desejado, discutia sobre argumentos com sua pequena platéia depois apagava tudo e deixava que o estudante chegasse as suas próprias conclusões.

Entre 1928-29, no decorrer de dois semestres , o ensinamento teórico sobre livre figuração servia como argumento para a espacialidade. Como exemplo mais comum Klee havia escolhido o cubo. Assim explicava o fenomeno da espacialidade de maneira que, progressivamente, o cubo perderia o carater de objeto, transformando-o numa personalidade em parte ativa e em parte passiva. Em uma serie de operações progressivas do externo e do interno, do conceito parcial ao todo, cada aspecto era aprofundado, cada especificidade era indagada; penetrava-se no espaço e por fim concluia-se que do exterior a estrutura espacial era familiar. Porém durante este processo acontecia algo de prodigioso: subdivisões do espaço em seus minimos detalhes, determinação de seus caracteres especificos- dentro e fora- modulação das superficies a partir dos pontos nodais, paredes divisórias erguidas por toda a parte, escadas diagonais construidas de maneira a estabilizar direção e ações simultaneas de cubos em varias posições no interior do cubo principal- e tudo isto com os meios do pintor, com o ponto, a linha, a superficie, o claro e o escuro e a cor.
O resultado correspondia aquele do cientista que calcula, mas era pleno de vida porque era pensado com os meios da arte.

Os meios expressivos podem ser ensinados, mas corre-se o risco do mestre sempre superar o aluno. Klee buscava evita-lo, não fornecendo pistas sobre os meios tecnicos que usava ou como se poderia conseguir este ou aquele efeito. Os alunos deveriam elaborar autonomamente, compreender, aprender, e para isto apresentava problemas do tipo: “Expressar relaxamento e contração: representar em uma superficie colorida o movimento da ausencia de cor. A cor foi absorvida, comida: é assim que morre- decaimento, crepusculo, decomposição- um movimento negativo.Representar em uma superficie sem cor o movimento da presença da cor. A cor triunfa, se impõe, cresce,é isto que cresce, é isto que vence, é o sol, o dia, salto ascendente, exortação...”
´

Klee possuia um modo de expressar-se extraordinariamente rico de imagens: se queria, por exemplo, enfatizar uma pausa , dizia: “ A coisa dorme”. Ou então, enquanto caminhava para frente e para tras falando sobre as cores, ocorria de repousar ocorria-lhe repousar um giz vermelho na fechadura da janela, para onde tornava toda vez que invocava aquela cor, que assim trasnformava-se em uma realidade concreta, persuasiva. Era também inesquecível a maneira como explicava à lousa um argumento complexo como a polifonia por ele definida
um fenomeno simultaneamente pluridimensional”. Em cada uma das mãos tinha um giz de cores diferentes e desenhava e escrevia com segurança com ambas as mãos. Sendo tambem músico, demonstrava de modo conciso como a arte figurativa podia fazer uso, dentro de certos limites, dos meios musicais.

Com o passar do tempo, Klee modificava o argumento das aulas, conformando-os com as situações reais. E as soluções não eram nunca apresentadas. Um dia, ao encerrar uma aula disse: “ Esta é uma possibilidade- mas eu não a usaria”.

Sunday, April 23, 2006

Lotto

na pintura conhecida como Retrato de um Humanista, Lorenzo Lotto pinta um homem de olhar tristonho, atônito...sua mão espalmada exprime seu movimento de alma, estupor, perplexidade...às suas costas, um pesado e poeirento pedaço de veludo cobre a visão de um amontoado de grandes volumes, encapados com escuras peles...
do pergaminho que estende à frente, escapa uma pequena voluta...o mesmo movimento tem o braço da cadeira onde esta sentado...ambas volutas giram na mesma direção...o nosso olho pode então escolher qual desses torvelinhos quer como centro da tormenta na nossa própria alma....

Thursday, April 20, 2006

Vasto, piazza

Para Julia Ziviani

A propósito da defesa de doutorado de Julia Ziviani Vitiello
Dança: Memória dos corpos cênicos
FE- Unicamp 2004-09-10
Ontem , entre colunas e árvores..

Desço a rua Aimorés até encontrá-la com Afonso Pena, deixo minha filha na escola e ando a pé até o parque municipal..despacho um livro no Correio, na agencia central..entro no palácio das artes até o teatro e fiquo lá alguns instantes, tomando água para refrescar-me do calor de setembro...no grande teatro do Palácio apresenta-se o Grupo Corpo...um grande banner vermelho e negro estende-se pelos metros da fachada de mármore modernista...a bailarina escorrega a perna na diagonal, enquanto seu parceiro sustenta-a pelos ombros...o vestido vermelho contra a o palco negro, negro...o sapato de salto alto encosta na diagonal do retângulo plástico , um grande cartaz...os olhos da dançarina-atriz estão caiados de forte verde e ouro, as pálpebras baixas... pudéssemos ver as linhas deste desenho e seria como uma árvore que, surpresa e ressequida por toda sorte de ações do tempo e da matéria, ferida, se resigna a gravidade e converte-se subitamente num braço de rio lamacento, tinto da argila e de minério de ferro..
A bailarina árvore do cartaz desdém deste desenho, porque já o contém...Nós, entretando, os comuns, somos os portadores de uma paisagem sempre desejada por quem habita a cidade. Sempre invejosos do desenho-arvore-dança-rio que ela ali no cartaz mostra todos os dias sem repouso, os passageiros dos ônibus, os pedestres e os trabalhadores dos correios, do Conservatório, da sapataria e da copiadora Universal calam-se e desejam montanhas, águas, árvores generosas e uma vida menos cruel. Porque a dança de quem dança no tempo e na representação nos faz sentir a pequenez de nosso gestos cotidianos e olha para nós com o desdém daqueles bailarinos que sabem comprimir o espaço e o tempo só com o uso das mãos.

Domingo, há pouco mais de um mês...
Entro no Teatro de Ouro Preto pela portinha estreita, porta de madeira engrossada por tantas demãos de tinta...entro porque o calor me afasta da escadaria da igreja de nossa senhora do Carmo, onde estava desenhando um anjinho emburrado na pedra...o teatro é sempre mais fresco e escuro...dai galgo os degraus da lateral escura e sento-me na fileira mais distante...lá no palco, filetes de luz pingam aqui e ali pontos bem brilhantes de pura prata envelhecida...são os minúsculos pontos do telhado que, vazando luz e -quem sabe - água, pontilham de estrelas diurnas o palco enevoado. Minha filha aproveita e corre escadinha acima e abre os braços, girando o corpo entre os finos cordéis de luz que nascem do alto...gira e gira, e onde os braços tocam a luz, lampeja uma ou outra estrela falsa...no palco, entre místicos cordões de luz, arrasta os pés sem ruído e rodopia sem som para não chamar a atenção das zeladoras entretidas em conversas...seus pés despertam a poeira do palco que adensa a luz nascida do telhado fragilizado..e uma névoa tímida e filigranada a envolve ,como a fina teia dos acontecimentos fugazes...
Isto durou aqui 10 minutos, pouco menos..Terei sonhado?

Certas imagens não abandonam nossos olhos...


Há três semanas, na Toscana
Catedrais na paisagem...os castelinhos de pedra descascada estão ladeados pelas videiras carregadas da uva pronta para a vendemia..os cachos são brutos, estão pesados e sem forma...pendem heroicamente e voltam-se para o céu...os trabalhadores retiram cuidadosamente as folhas acima dos cachos para que toda a uva receba o sol do verão generoso...
A paisagem feminina desenhada por tanto tempo já é assim...a terra nem mesmo se lembra se algum dia já foi outra coisa senão uvas, limões, flores e mirto...no paese mais próximo compra-se o pão toscano sem sal, a manteiga branca, o tomate doce...dois litros de um bom chianti , vinho santo e cantucci...atravessa-se a ponte da piazza e no rio de águas fininhas nadam peixes de bom tamanho...patos gordos de penas brilhantes dormem a sombra...
A estrada pela manhã cheira a rosmaninho, o alecrim...a groselha e o mirtilo esparramam-se nas encostas, cobertas de frutas e espinhos...flores miúdas de cabo longo e cores frágeis cobrem a estrada, tem a forma de uma estrela de cinco pontas e balançam-se conforme roçam na minha roupa...
De outro paesino ouve-se o sino de uma igrejinha, ao lado do café...dois velhos regam o jardim de campânulas iridescentes...um casal com crianças passa e suas bicicletas amarelas desenham no ar uma barra flamejante...um lençol azul clarinho se enrosca nas sebes frouxas de uma casa de janelas moles...
No teatro da paisagem do mundo, erguem-se os ciprestes, as colunas naturais...Tão juntas como no Vaticano ou separadas como no templo em Agrigento, arruinadas como as que toquei no palco de Taormina...as árvores de galhos invisíveis, são as chamas escuras e frias de uma paisagem da memória, ciprestes mulheres, colunas de um teatro natural. Entre os arcos baixos da tessitura desenhada pelas plantações, levitados pelo relevo suave, erguem-se rumo ao teto celeste. Como em Vicenza, como em Palermo, como em Segesta....

Cara Julia, eu estive vagando em corpo e espírito pelos lugares que você descreveu em sua escritura. Escrever sobre uma imagem é uma imagem? Para mim, nestes dias em que acompanhei seus escritos , as descrições- a descriptio, a landchap- a descrição de um território e seus detalhes- foram suas palavras as imagens agentes que fizeram-me entrar em reminiscência e ver aqui onde agora estou e escrevo as fortes ondas de emoção ao deparar-me com lugares fantásticos e familiares. Digo familiares pois experimentei vivamente esta desconcertante sensação de fazer parte dos lugares visitados..( no último dia 18 de agosto, fui visitar os arcos e colunas da escola de Atenas na Stanza di Rafaello, do Museu Vaticano...fiquei bem pertinho dos pés dos filósofos, pintores e outros personagens afrescados...tive a nítida sensação de nostalgia, como seu eu tivesse “caído” da pintura, naquele exato instante...fui invadida por uma grande saudade de quando eu era uma representação de mim! Enfim...)
Voltando aos escritos...Sua tese causou-me melancolia e nostalgia...refiro-me a melancolia das pinturas de Giorgione , os jovens empalidecidos e de pele fria, longas mãos que tocam numa maçã, um livro, um pedaço de papel..por muito tempo vaguei pela minha nova casa em Belo Horizonte, que se encheu de recordações da outra casa através de objetos e cheiros que lá coloquei... Receava até mesmo começar esta escrita e confesso que acabo de terminá-la agora, em meu coração... Portanto, peço desculpas se esta minha escritura te pareça truncada e pouco legível, farei cá um esforço para fazer-me entender..
A melancolia de Dante, o pântano onde estão imersos os estigmatizados pelo sentimento de futuro, sempre contemplando o passado...assim demorei a escrever...
Para poder sentar-me e escrever, banhei-me no Lettes e dei graças por poder esquecer...esquecer para lembrar das outras coisas que queria te dizer hoje...se eu não me esquecesse das coisas sempre impressionantes – ainda agora que retornei da Sardegna selvagem e da Toscana “penteada”- não poderia estar aqui. Troco com muito esforço o pântano pelo rio, e nas águas - água , sua metáfora mais verdadeira!- vislumbro mais energia para escrever.
Vou agora ao teu texto, como se dele tivesse me afastado...sua tese esta agora do lado direito do computador, numa mesinha improvisada onde coloquei outras coisas que separei para me lembrar...às minhas costas estão pacotinhos de presentes para os colegas do Olho, e pregado na parede o bilhete de ingresso no Museu Vaticano e da Pinacoteca di San Gimignano..dai cercada de vozes, descrições e imagens, sigo na escritura e escolho dois momentos a guisa de comentário...
(em verdade poderia falar sem fim...poderia falar de uma maneira a dividir impressões mais diversas) mas escolhi assim para poder a qualquer minuto parar de falar e começar a ouvir..
(Antes de mais nada....vivi metade até então desta vida em São Paulo...sempre que podia estava na quarta fila para assistir o Corpo de Baile do Teatro Municipal...tinha 16 anos e minha amiga e vizinha Áurea, a filha do seu Durval, dançava lá... vi muitos espetáculos que custavam tão pouco...saía com a alma em festa...das coreografias de Luis Arrieta lembro-me das Quatro estações de Vivaldi com bailarinos vestidos do mais denso vermelho e o palco escurecido de azul profundo...eu me lembro de ter lembrado de outros lugares nos quais tinha certeza de já ter estado...teria eu sonhado durante o espetáculo??)

Primeiro comentário- aqui estou imitando Santo Ambrósio eu acho, porque estou estudando estes tratadistas e assim imito todos- de quando você me trouxe para mais perto de seu texto, o primeiro momento, na pagina 18 quando você escreve sobre a disciplina e da prática: “ assim o exercitar-se quase à exaustão sem duvida pode trazer as habilidades técnicas da linguagem, mas também adquire outra significação” e mais abaixo “ Disciplina e inovação em partes iguais nos levam a uma liberdade artística de corpo e espírito”.
Concordo totalmente com você, mas daí lendo seu texto eu vi a prática da gravura, nos meus idos de 1988, no ateliê de gravura do IA. Havia a disciplina dos materiais, os tempos dos ácidos, a correta pressão na prensa e os papeis adequados...também havia o desenho e sua transposição para a chapa de cobre, as horas lentas da gravação com a ponta seca...
Nestas horas de trabalho havia o calor do ateliê, o cheiro pungente do ácido acético, as vozes altas...tinha que transpor tudo isto para o lugar de residência da imagem que buscava na chapa...
Daí, Julia, eu via na disciplina e na concentração em que me encontrava uma imagem difusa sempre presente...ao buscar a imagem que desejava tinha que passar por todas as outras coisas que reclamavam a atenção de meu corpo em trabalho...como Santo Agostinho que, buscando estar com Deus, afastava com a mão do espírito as outras imagens desejosas de atenção, eu me imaginava em outros lugares, mais amplos e frescos e estes lugares se desenhavam mais nitidamente a medida em que eu aproximava-me da impressão perfeita...a cada prova de estado, eu me sentia mais e mais abençoada por uma brisa fresca e por uma ausência de desejos corporais..nada me abalava ou perturbava. Estranhamente é ainda a mesma sensação que tenho quando deparo-me com os lugares fantásticos que encontro em algumas de minhas viagens..é como se a mesma brisa fresca estivesse esperando o momento de meu desejo para surgir..
Julia, neste primeiro comentário uma provocação: na disciplina dolorida e verdadeira do bailarino, da sua disciplina, nos ensaios e na preparação de tudo o que você descreve tão belamente: o que eu quero saber é se durante os exercícios , existe este lugar fantástico para onde a alma foge, longe do corpo fatigado? Este será o teatro da memória desejado, sempre pronto a aparecer quando invocado, o real lugar do artista?

Segundo comentário provocante: esquecer para lembrar. Na pagina 39, quando você escreve “ A memória e o esquecimento formam um par constante”.
Lendo o belo livro Lete - arte e crítica do esquecimento, deparei-me com a forte descrição que o autor faz de Primo Levi, levado para Auschwitz em 1943, aos 24 anos. Encarregado de distribuir a sopa no acampamento, tem como ajudante um jovem alsaciano de nome Jean, que desenvolve a desejosa arte de não chamar a atenção. Assim pode conversar longamente com Levi sobre Dante e faz a ele tantas perguntas sobre os sentidos da Commedia: o que significa contrapasso no inferno, quem fora Dante?, e assim Levi recita para Jean o canto 26 do Inferno, o grande discurso de Ulisses , traduzindo para o francês tão bem quanto pode. E assim , na sua recitatio Dantis e arrastando pelo campo um latão de sopa com “repolhos e nabos”, tem a súbita idéia de que a última viagem de Ulisses poderia muito bem ser uma imagem de sua própria situação no campo de extermínio. Então estes três versos passam por sua mente:
“Considerate la vostra semenza:
Fatti non foste a viver come bruti
Ma per seguir virtude e conoscenza.

Pensai na vossa semente:
Não fostes feitos para viver como os brutos,
Mas para perseguir virtude e conhecimento.

Para esquecer de sua situação no campo, recorda-se de Ulisses, que por sua vez o faz recordar de seu presente no campo e da miserável condição desumana. O esquecimento voluntário torna-se uma dor vívida e adensa seu sofrimento.
Julia, você diz que o bailarino deve também alimentar-se do esquecimento da dor física, da frustração e das outras sensações que conhece tão bem, sublimando-os para elevar o sentido da dança. Então será este esquecimento uma permanente disciplina da memória? Será a memória do dançarino o teatro da projeção e do esquecimento? E como é construído este teatro do esquecimento, se de cada coisa que la for colocada, lembrará o que se deve esquecer?

Wednesday, April 19, 2006

Miti

Miti, simboli e segni
o
Luoghi della memoria nella Commedia di Dante
Autrice: Maria do Céu Diel de Oliveira
Professoressa del "Departamento de Desenho da Escola de Belas Artes" della UFMG (Università Federale di Minas Gerais).
Professoressa del Programma di Master in Arte della UFMG.
Responsabile del gruppo di ricerca LINHA: Gruppo di ricerca sul Disegno e la Parola.
Ricercatrice di OLHO: Laboratorio di studi visivi della FE-UNICAMP.
Incisore e Disegnatrice.
Parole chiave: Memoria, Retorica, Cicerone, Dante, Educazione, Ars Memoriam, teoria dei Loci.
Riassunto:
Questo articolo tratta della mia ricerca relativa alla pedagogia della memoria e l'Ars Memoriam, e i suoi luoghi di reminiscenza o meraviglie.
Basandomi in studi della Retorica, nella Commedia di Dante, negli studi di Francis Yeats e Milton José de Almeida, cerco di porre in relazione l'origine dell'arte contemporanea alla retorica e non proprio alle arti visive. Per questo ho studiato i Trattatisti e la Patrologia, incontrando in S.Agostino, S.Tommaso d'Aquino e S.Ambrogio le origini di una pedagogia della visione, nata in trattati teologici e successivamente trasposta alla pittura , architettura e incisione.
Per questo cerco tracce nei luoghi della memoria, nella teoria dei Loci di Giordano Bruno. Nella mia ricerca questi luoghi sono situati in diverse regioni italiane: Venezia, Padova, Vicenza e Ravenna al Nord, Napoli, Monreale e Sicilia al Sud, oltre a Cagliari, in Sardegna.


"Quando la memoria stessa perde qualunque ricordo, come succede quando ci dimentichiamo e cerchiamo di ricordarci, dove, in fondo, la cerchiamo se non nella memoria stessa?"
S. Agostino, Confessioni, L.X, 19.

Per presentare in questo Colloquio i percorsi di una ricerca, sento la necessità di ritornare all'origine di questo lavoro, quando mi immersi nello studio di Dante Alighieri e del suo Inferno. Desidero in questo modo, ricordando i miei appunti, entrare in reminiscenza1 per evocare le "immagini agenti" che hanno ispirato i miei scritti, disegni e la mia azione come ricercatrice e artista.
Faccio come Umberto Eco che ricorda al lettore l'importanza dello stato di fiducia quando passeggia per l'universo della finzione, invito gli ascoltatori a camminare nei boschi della realtà e della percezione, con la promessa che il cammino non sarà fastidioso. Quindi, prima di presentare la ricerca che qui mi ha condotto, desidero riavvicinarmi, come dice Harold Bloom, a questo "autore forte".
Desidero leggere un poco di quello che ho colto in Dante Alighieri quando studiavo l'Inferno e le sua rappresentazioni allegoriche e letterarie, attraverso Boccaccio e altri commentatori. Stavo studiando, tra le altre cose, le allegorie e la natura delle punizioni nell'Inferno. Volevo individuare la fonte delle immagini di "miracula" e "mirabilia" testimoniate dagli abitanti della "civitas diaboli".

Per chi ha letto Dante e di lui si ricorda ...
Dopo aver vinto il suo timore e l'insicurezza nella selva oscura, Dante si trova di fronte all'ingresso dell'Inferno, sovrastato da terribili parole ... Metafora dello sconosciuto e sublime, minaccia e richiamo irresistibile, Dante lo supera e avanza, condotto dalla guida che giunge dal Limbo, Virgilio, con la speranza di incontrare Beatrice, "donna di virtù sola per cui l'umana spezie eccede ogne contento di quel ciel c'há minor li cerchi sui"... (II,75-77).
Porta, arco, portone, entrata, passaggio ... parole-immagine che definiscono cambiamenti di stato, scala, realtà, opposizione, estraneità ...
Dante si butta, portando con sé solo la sua memoria e immagini di pietà, rancore, paura e grande timore, di giustizia e verità, parole queste che saranno il suo unico legame con tutto quello che ha lasciato alle spalle. Senza tutto ciò non potrà affrontare l'Inferno e girovagare per le sue bolgie. A ogni passaggio, all'incontrare figure note della Storia, miti e avversari politici, riporta a sé l'aria della sua città e con questa la luce, labile divisione tra quello che adesso il suo corpo rimpiange e che lo ha abbandonato.
Il confronto diventa così palpabile, c'è un ricordo vivo, il suo corpo come testimone della memoria e delle sensazioni di un corpo vivo. Ai morti dell'Inferno è concessa la possibilità di ricordare, ma il ricordo è usato come mezzo per aumentare il dolore e la pena inflitta, dato che il ricordo della vita anteriore si confronta con un presente immutabile. Ad alcune anime é concesso il potere diprevedere il futuro, ma l'eternità è l'infinito, perdendo così i peccatori la nozione del tempo nel quale sono immersi.
Dante ha bisogno di questa realtà per potersi perdere nell'Inferno, poiché è il filo di Arianna che lo riporterà indietro. Più che Virgilio, che per diverse volte riparerà il suo corpo vivo dai pericoli, Dante ricorrerà alla memoria della sua città natale. Vaghi e indefiniti confronti richiameranno l'atmosfera del mondo vivo e impediranno, durante tutto il tragitto del poeta, che si consegni alla degenerazione della ragione all'insanità di questo nuovo ordine. Senza questo alito di vita in mezzo alla pestilenza, senza potersi incontrare con conosciuti, Dante si dimenticherebbe il motivo per cui si é avventurato nell'abisso: ricordare e scrivere, creando un testamento morale che porti, in modo inverso, l'Inferno alla superficie.
Sacrificando la sua memoria, condenserebbe l'immagine dell'insanità, mantenendo il corpo in salvo.
Al ricordare la superficie, seppure in conflitto, mostrando i segni della degenerazione dei costumi, il poeta richiama le sensazioni di beatitudine e familiarità che derivano dagli elementi di contemplazione descritti.
Questi "luoghi della memoria", questi paesaggi del mondo vivo, sono immagini ampie, come proiezioni.
Il legame di Dante con la realtà della superficie si rivela essere più che una mera evocazione, prova che la vita del corpo ha bisogno di ricordi vivi. La memoria dei morti li riduce ancor più all'infinità delle loro disgrazie.
Quella di Dante lo conduce ancor più alla gioia di essere vivo e star vivendo, passando per ogni cerchio e lasciandolo indietro come qualcosa che deve essere dimenticato in quanto spazio, ma non come tempo. L'inferno così vissuto passa ad essere un mero ricordo, poiché solo così può essere affrontato: ombra di sé stesso senza mai essere esistito, immagine che si imprime senza mai essersi realmente formata.
Dante, poeta e pellegrino, ci mostra l'Inferno visto solo nella memoria.
Stando nell'Inferno senza mai esserci andato, uscendovi senza mai esserci entrato, enuncia un doppio riflesso senza origine: la parola che é l'immagine.
L'immagine evocata per mezzo della retorica della parola è, nell'Inferno, la forma di rappresentazione di quello spazio e dei suoi abitanti.

Descrizioni di temperatura, odore, movimento, velocità, luce e ombra, altezza e descrizioni geografiche se fondono con gli elementi terreni che ci circondano e che sono il nostro riferimento di lettore. Iniziando la lettura dei cerchi più profondi, l'immagine doppia diventa immediata: la lettura impressa nella retina ha bisogno di una duplicazione del reale, il lettore richiamerà il paesaggio più desiderato, adeguato all'opposto di quello che legge.
La rievocazione si può sovrapporre, ma non annullare. Si rende indispensabile, perché c'è bisogno della ragione per poter continuare il pellegrinaggio in un universo irragionevole. L'Inferno mostra il suo lato più seducente quanto più s`avvicina all'universo della realtà per farne l'origine delle sue immagini. Quest'Inferno di cui sto parlando non sarà più sotterraneo se gli riconduciamo le immagini che riconosciamo, sovvertendole a suo beneficio, quello della sopravvivenza nella memoria, poiché l'Inferno è la dimora dell'Inganno.
Nel pensare che può sfuggire alla sua seduzione, le immagini unite, adesso realtà e immaginazione, continuano fuse. Sempre, quando l' una o l'altra saranno evocate, ambedue coesisteranno. Dante ricorre ad elementi retorici per costruire questo Inferno. La memoria del corpo è quella degli occhi. Il doppio percorso fatto dagli occhi tra la parola impressa e l'immagine corrispondente è il luogo dell'Inferno, uno spazio misurabile, ma compresso.
Come si può pretendere di scappare dalla seduzione dell'Inferno se anche questo emana immagini familiari? Come librarsi al di sopra della tensione tra l'immagine contenuta nella parola e quella che esiste nella memoria?
Ecco qui la questione della memoria: è presente nel dialogo dell'angelo con S. Paolo, nell'Apocalisse, quando questi domanda al santo se ha osservato tutte le cose o quando l'angelo chiede a S.Paolo di riporre in sé quello che ha visto.
Osservare, riporre, ricordare, memorizzare diventano risorse che risiedono al di fuori del poema, sono nelle immagini evocate dalla memoria del lettore.
La proiezione di un luogo nella memoria esiste esternamente al testo apocrifo o al poema: deriva da immagini mentali di luoghi memorabili, che hanno nel poema la descrizione, ma che hanno nel lettore la rivelazione. L'atto di rivelare, mostrare e espellere qualcosa nascosto passa per un gesto, del corpo o dello spirito. Camminare, guardare in cima o in basso, retrocedere, voltarsi, nascondersi. Linguaggio corporeo che deriva da una volontà, ma che può succedere appena nella memoria. La punizione per chi spia nella profondità dell'Inferno è la perdita della memoria: questa cesserà di esistere, non sarà possibile allo spirito sorpreso sul fatto ricordare, e, da li sapere.
Il tempo nell'Inferno è ridotto al suo aspetto ontologico: com`è in se stesso.
La perdita della memoria impedisce alle anime di comprendere il tempo nel suo aspetto psicologico, come lo capiamo.

Conoscenza e ricordo cominciano a non avere più una collocazione, spostati e senza luogo. Il cammino di ritorno sembra risiedere nell'impossibilità di sapere, nel sospetto di una esistenza... la memoria è fisica quando può essere strappata, esige un luogo che non è più di questa natura... la memoria si disloca, ma il luogo sembra rimanere.
* * *
Qui chiudo con l'Inferno, o per lo meno una parte della ricerca che ha evidenziato la memoria, Ars Memoriam, come il luogo della punizione del peccato dell'intelligenza...
Mi piacerebbe continuare questa provocazione ricordando un'"immagine agente" che mi si è proposta durante un viaggio di ricerca nel Veneto: il "Teatro Olimpico" di Vicenza.
Vorrei iniziare così, con un'immagine, per avere uno scenario del mondo in cui saranno inizialmente annunciati i segni di un percorso d'indagine.
Illustrazione 1Teatro Olimpico, Vicenza. Palladio/Scamozzi, 1585
Dalle nicchie del Teatro Olimpico di Vicenza emergono sculture di gesso e paglia di greci e romani... vicino alle colonne cieche del progetto palladiano, sono collocate le figure emergenti della società vicentina, adesso rinforzate da una nobile origine, non più tedesca.
Secondo il progetto visivo, il teatro stesso conserva lo scenario della prima opera li rappresentata il 3 di marzo del 1585.
Vincenzo Scamozzi elabora una complessa prospettiva per la costruzione delle sette vie della Tebe dell'Edipo Re. Così, didatticamente, da un punto immaginario della linea dell'orizzonte della storia, sorge la didatticizzazione della visione, impregnata nella forma pedagogizzante della prospettiva.
A partire da questa visione nella città di Vicenza, ho iniziato un pellegrinaggio per diverse città italiane, dove ho potuto osservare la pedagogia della visione nell'archituttura, pittura e scultura. Iniziando la mia ricerca nel 1997 nel nord d'Italia e attraverso autori come Cicerone, Ripa e Dante, ho cercato di tracciare un itinerario per la rappresentazione del corpo e delle
sue allegorie e la loro relazione con l'arte.
Negli ultimi due viaggi al sud d'Italia, nel 2003 in Sicilia e nel 2004 in Sardegna, ho incontrato nuove rappresentazioni della società e del suo corpo, nella Catacomba dei Cappuccini, a Palermo, nei mosaici di Monreale e, più recentemente, nelle immagini in cera fusa realizzate da Clemente Sussini per il Corso di Medicina dell'Università di Cagliari all'inizio del Secolo XIX. Cerco di costruire una solida struttura investigativa, informata dalle rappresentazioni della società attraverso il suo corpo nella scienza e nella religiosità che, unita agli studi della retorica e l'Ars Memoriam, arrivano a noi in forma di una visualizzazione didatticizzante e piena di significati, presenti nell'educazione e nell'organizzazione dell'università e degli studi superiori.
Quello che questi luoghi rappresentano come emblemi di un ordine visivo, organizzato dalla Prospettiva, elaborando un complesso discorso di persuasione.
Nell'allegoria di Cesare Ripa:
"la Retorica, bella e ricca signora, con un'espressione allegra, ha la mano destra sollevata e aperta e nella sinistra regge un libro e uno scettro, con sulle vesti una frase: Ornatus Persuasio. I suoi occhi sono rossi e i suoi piedi calpestano una chimera. La mano aperta è un avviso all'oratore che la deve tenere libera, perchè possa interpretare e gesticolare."

La convinzione e la persuasione sono elementi che si incontrano nell'Architettura rappresentati dai progetti palladiani che concedono spazio alla narrativa della scultura e della pittura. Nella città di Vicenza il progetto del teatro rappresenta il desiderio di una città di reinventare l'origine del suo linguaggio e del suo popolo. Lo stesso progetto è aperto in chiese, palazzi e altri luoghi dove il discorso visivo descrive appena l'immagina e enuncia appena la sua possibilità.
La prospettiva proietta lo spettatore fuori dalla dimensione della pittura e dell'architettura. La rappresentazione dello spazio restringe il pensiero e contiene una narrativa ideale, che si unisce a uno spazio reinventato.
S.Ignazio di Loiola, S.Domenico e S.Ambrogio elaborano trattati che qua chiamerò di perversione visiva, dove l'immaginazione ( o invenzione retorica) crea scenari per la tragedia umana, nella speranza della purificazione.
Lungo questo cammino ho incontrato le stanze delle mereviglie, le stanze o armadi dove si sarebbero rifugiate le immagini agenti, guidate da un'ideale estetico-retorico. Concentrato di invenzioni, storie, allegorie, mitologia e alchimia, sorgono come opera d'arte totale, innalzamento dell'intelligenza e percorsi per uno spirito in mutazione.
Nelle stanze e negli armadi sono le collezioni di oggetti e manufatti le cui origini si legano alla mirabilia e alla storia nascosta delle culture. Concepite come studioli, stanze di accesso privato in sensi diversi, sono ripieni di eccentricità e immaginario, gravidi di associazioni complesse.
Tra le molte immagini che attualmente posseggo di queste stanze, ho scelto questa come immagine agente, questo armadio che rappresenta uno scheletro alla maniera di Vesalio nelle sue De Humani Corporis Fabrica, che medita appoggiato ad una colonna e una clessidra. Questo Memento mori mostra la vanità, ma la rappresentazione del corpo è un'angoscia del futuro (come agisce in noi il "Col tempo", di Giorgione, nella Galleria dell'Accademia di Venezia).
Ripiene di discorsi, le stanze delle meraviglie danno origine ai musei di storia naturale quando meraviglie naturali, e ai musei e gallerie d'arte quando la collezione contempla la scultura, pittura, oreficeria, incisione e altre arti.
Illustrazione 2 Armadio Memento mori, Paul Richiel, Castelo de Ambras, sec XVI
È in questo spazio della rapresentazione, aiutato dall'invenzione e didatticizzato dalla prospettiva, che avviene il racconto, la storia che è raccontata. Questa scrittura si imbeve della morale dei gesti e dei costumi, nella fortuna letteraria di alcuni autori e negli aspetti pedagogicizzanti. Le stanze, gabinetti, studi, armadi, gallerie e musei compaiono nella mia ricerca come camere oscure di una memoria artificialis, dove germoglieranno la convinzione e la persuazione. Che società è questa che ha bisogno della seduzione narrativa per formare il suo immaginario?
Confesso che questo segno già mi preoccupava, ancor prima di incontrare altri luoghi fantastici abitati dalla rappresentazione incorporata della società.
Nella Catacomba dei Cappuccini a Palermo ho visto corpi rinsecchiti disposti secondo piccole rappresentazioni sociali, dove i ruoli originari continuavano ad essere rappresentati: una familia con madre, padre e figlio nato morto infissi in una parete calcificata, svolgendo il suo ruolo sociale e manifestando lo status della sua origine nei vestiti tarlati, ma visibili. Il teatro del mondo lì inscenato, in sei chilometri di cripta, non solo mostra una allegoria di sè stesso, ma esiste nell'angoscia del futuro, di nuovo. L'abbandono di una narrativa fa nascere in qualche posto il desiderio della storia, come compienezza e voce. Il mutismo eloquente della società scarnificata di Palermo si innalza rumorosamente fino a livelli insopportabili.
Didatticizzare la comparsa delle immagini per mezzo dell'"Ars Memoriam", di Cicerone:
"quelli che desiderano rievocare (reminisci), cioè fare qualunque cosa più spirituale o intellettuale che semplicemente ricordare, devono ritirarsi dalla luce pubblica verso una scura intimità, perchè nella luce pubblica le immagini delle cose sensibili (sensibilia) sono disperse, e il loro movimento è confuso. Nell'oscurità, al contrario, sono compatte e si muovono ordinatamente". Magno, Alberto. De memória et Reminiscentia in Yeats, Francis
L'oscurità, i luoghi e altri artifici del genere sono risorse retoriche care ai musei a gallerie, ai musei di storia naturale e ai luoghi di esposizione e mostre d'arte. Tra archi e colonne di un progetto visivo si situano le immagini che vogliono essere le "immagini agente", alla ricerca di una nuova storia per la loro esistenza.
In questo modo, la Retorica con le sue Immagini, alleata all'Ars Memoriam, la prospettiva e i progetti visivi, ha elaborato un complesso percorso discorsivo, che ha finito per rinunciare alla immagine stessa, purificandosi nell'intellettualismo e nella narrativa condiscendente.
Oggetto dell'arte contemporanea è il suo proprio discorso, tessuto nella purificazione e proiettato dalla prospettiva escludente, proiettato nella macchina della memoria dell'esistenza.

Bibliografia:
ALMEIDA, Milton José de. Cinema: arte da memória. São Paulo: Autores Associados, 1999.
ALIGHIERI, Dante. Divina Commedia: Introduzione di Italo Borzi, commento a cura di Giovanni Fallani e Silvio Zennaro, Milano: Biblioteca Economica Newton, 1996
ALPERS, Svetlana. A Arte de Descrever. São Paulo: Edusp, 1999.
BLOOM, Harold. A angústia da Influência: uma teoria da poesia. São Paulo: Imago Editora.
QUINTILIANO. Instituições Oratórias. São Paulo: Edições Cultura, 1944. Segundo Volume.
RIPA, Cesare. Iconologia. Milano: TEA, 1992. (a Cura di Piero Buscaroli)
SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Paulus 1997. (Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante)
________. O Livre Arbítrio. São Paulo: Paulus, 1995. (Tradução de Nair de Assis de Oliveira)
RIGON, Fernando: Il Teatro Olímpico di Vicenza.1995

foto marcelo kraiser

pedagogia visual

PEDAGOGIA VISUAL E EDUCAÇÃO DA MEMÓRIA
Autora:
Maria do Ceu Diel de Oliveira
Bacharel e Licenciada em Artes Plásticas pela Universidade Estadual de Campinas. Mestre e Doutora na área de Conhecimento Educação, Linguagem e Arte pela Faculdade de Educação da UNICAMP. Professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. Líder do GRUPO LINHA: Grupo de Pesquisa sobre o Desenho e a Palavra.

Para quem leu Dante dele se recorda...
Após ter vencido seu temor e insegurança na floresta escura, Dante depara-se com o portal do Inferno, encimado pelas terríveis palavras... Metáfora do desconhecido e sublime, ameaça e chamado irresistível, Dante ultrapassa o portal e avança, abençoado pelo guia que emergiu do limbo, Virgílio, e esperançoso de encontrar Beatriz, “donna di virtú sola per cui l’umana spezie eccede ogne contento di quel ciel c’há minor li cerchi sui”. . Porta, arco, portal, entrada, passagem... palavras-imagens que designam mudanças de estágio, escala, realidade, oposição e estranhamento... Dante mergulha trazendo unicamente sua memória e imagens de piedade, rancor, medo e pavor intensos, de justiça e verdade, palavras estas que serão seu único elo com o que deixou para trás. Sem isto, não poderá enfrentar o inferno e vagar pelas suas bolgie.
Em cada passagem, ao encontrar figuras conhecidas da História, mitos e adversários políticos, Dante traz para junto de si o ar de sua cidade e com ela a luz, fraca divisória entre o que seu corpo ora ressente e o que abandonou. Com isto, o enfrentamento torna-se palpável, pois tem a lembrança viva, seu corpo como depositário da memória e sensações de um corpo vivo. Aos mortos do Inferno é dada a possibilidade de rememorar, mas a lembrança é usada como forma de aumentar a dor e a pena cingidas, quando a comparação da vida pregressa é acompanhada de um presente inalterável. A algumas almas é dado o poder de prever o futuro, mas a eternidade é o infinito, perdendo os pecadores a noção do tempo em que permanecem mergulhados.

Dante precisa desta realidade para poder perder-se no Inferno, pois ela é o fio de Ariadne que o trará de volta. Mais do que Virgílio, que o amparará diversas vezes em perigo seu corpo vivo, Dante recorrerá à memória de sua cidade natal. Vagas e indistintas comparações trarão a atmosfera do mundo vivo e impedirão, por todo o percurso do poeta, sua entrega à degeneração da razão e à insanidade desta nova ordem. Sem esta lufada de vida em meio à pestilência, sem poder encontrar-se com conhecidos, Dante esqueceria o motivo pelo qual aventurou-se no abismo: lembrar e escrever, criando um testamento moral que trouxesse, de maneira inversa, o Inferno à superfície. Ao sacrificar sua memória, condensaria a imagem da insanidade, mantendo o corpo a salvo. Ao rememorar a superfície – mesmo em conflito, dando mostras da degeneração dos costumes – o poeta traz as sensações de beatitude e familiaridade decorrentes dos elementos de contemplação descritos. Estes locais da memória, estas paisagens do mundo vivente são figuras amplas, como projeções.
A ligação de Dante com a realidade da superfície mostra-se mais do que uma mera evocação, prova de que a vida do corpo precisa de lembranças vivas. A memória dos mortos os reduz ainda mais à infinitude suas desgraças. A de Dante o conduz mais e mais para o júbilo de estar vivo e vivendo, passando por cada cerchio e deixando-o para trás como algo que deve ser esquecido enquanto espaço, mas não como tempo. Assim, o inferno vivido passa ordinariamente a ser uma lembrança, pois somente assim pode ser encarado: sombra de si mesmo sem nunca ter existido, imagem que se imprime sem nunca ter-se realmente configurado. Dante, poeta e peregrino, apresenta-nos o Inferno visto somente na memória. Estando no Inferno sem nunca ter ido, saindo dele sem nunca ter entrado, enuncia um duplo reflexo sem origem: a palavra que é uma imagem.
A imagem evocada através da retórica da palavra é no Inferno, forma de representação daquele espaço e seus habitantes.
Descrições da temperatura, odor, movimento, velocidade, luz e sombra, altitude e geografia se fundem aos elementos terrenos que nos cercam e que são nossa referência de leitor. Ao iniciar a leitura dos cerchi mais profundos, a dupla imagem torna-se imediata: a leitura impressa na retina necessita de uma duplicação do real, o leitor invocará sua paisagem mais desejada, adequada ao oposto do que lê. A evocação pode ser sobreposta, mas não anulada. Torna-se indispensável, pois se precisa da razão para continuar a peregrinação por um universo desarrazoado. O Inferno mostra sua face mais sedutora quando cola-se no universo denominado realidade para dele fazer a origem de suas imagens. Este inferno do qual falo não estará mais no subterrâneo se levarmos até ele as imagens que reconhecemos – subvertê-las-á em seu benefício, o da sobrevivência na memória, pois o Inferno é a morada da Fraude.
Ao pensar que pode escapar de sua sedução, as imagens coladas – agora, realidade e imaginação – permanecem fundidas. Toda vez que evocadas, uma ou outra, as duas existirão. Dante recorre de elementos retóricos para a construção deste Inferno. A memória do corpo é a dos olhos. O duplo caminho percorrido pelos olhos entre a palavra impressa e sua correspondente imagem é o lugar do Inferno, um espaço mensurável, mas comprimido. Como pretender escapar da sedução do Inferno se dele também emanam imagens familiares? Como levitar acima desta tensão entre a imagem contida na palavra e a existente na memória? Porém, eis a questão da memória: está presente no diálogo do anjo com S. Paulo, no Apocalipse, quando este pergunta ao santo se observou todas as coisas ou quando o anjo pede a S. Paulo que guarde dentro dele o que viu. Observar, guardar, recordar, memorizar passam a ser recursos que residem fora do poema, estão nas imagens evocadas pela lembrança do leitor. A projeção de um lugar para a memória existe externamente ao texto apócrifo ou ao poema: é decorrente de imagens mentais de lugares memoráveis, que têm no poema a descrição, mas que tem no leitor a revelação. O ato de revelar, mostrar e secretar algo encoberto perpassa por um gesto, do corpo ou do espírito. Caminhar, olhar para cima ou para baixo, recuar, voltar-se, esconder-se. Linguagem corporal que ocorre de uma vontade, mas que pode acontecer apenas na memória. A punição para quem espia dentro do fosso do Inferno é o apagamento da memória: ela deixará de existir, não será possível ao espírito flagrado nesta atitude rememorar para daí, saber. O tempo no Inferno está reduzido ao seu aspecto ontológico: como ele é em si mesmo. O apagamento da memória impede as almas de entender o tempo no seu aspecto psicológico, como o aprendemos.
Conhecimento e lembrança passam a não ter mais residência, estando deslocados e sem lugar. O caminho de volta parece residir na impossibilidade de saber, na suspeita de uma existência... a memória é física quando pode ser extirpada, ela pretende um lugar que não é mais desta natureza... a memória move-se, mas o lugar permanece.
Aqui encerro o Inferno, ou pelo menos uma parte da pesquisa que evidenciou a memória, ars memoriam, como lugar de punição do pecado da inteligência...
Gostaria de continuar minha provocação evocando uma imagem agente que me foi apresentada quando em viagem de pesquisa ao Vêneto: Teatro Olímpico de Vicenza. Quero iniciar assim com uma imagem para tenhamos um cenário do mundo onde serão inicialmente anunciados os sinais de um caminho investigativo.
Do Teatro Olímpico de Vicenza saltam dos nichos esculturas em gesso e palha de gregos e romanos...junto às colunas cegas de um programa palladiano, estão fixadas as figuras proeminentes da sociedade de Vicenza, porém agora revigorados de uma origem nobre, não mais tedesca.
Seguindo o programa visual, o mesmo teatro preserva o cenário da primeira peça ali apresentada em 3 de março de 1585. Vicenzo Scamozzi elabora complicada perspectiva para a construção das sete ruas de Tebas do Édipo Rei. Assim didaticamente, de um ponto imaginário da linha do horizonte da história, surge a didatização da visualidade, impregnada do molde pedagogizante da perspectiva.
Teatro Olímpico de Vicenza, proscênio
Desta visão na cidade de Vicenza, iniciei uma peregrinação por cidades italianas onde observei a pedagogia visual através da arquitetura, da pintura e da escultura. Iniciando minha pesquisa em 1997 no norte da Itália e elencando autores como Cícero, Ripa e Dante, busquei traçar um percurso para a representação do corpo e suas alegorias e relação com a arte.
Em duas últimas viagens ao Sul da Itália, em 2003 à Sicília e em 2004 à Sardegna, encontrei novas representações da sociedade e de seu corpo, na Gruta dos Capuchinhos em Palermo, nos mosaicos de Monrealle e mais recentemente nas imagens em cera fundida realizadas por Clemente Sussini para o Curso de Medicina da Universidade de Cagliari no início do século XIX.
Teatro Olímpico de Vicenza, proscênio
Busco desenhar um rico assoalho investigativo, moldado nas representações da sociedade através de seu corpo na ciência e na religiosidade que, agregados aos estudos retóricos e a ars memoriam, chegam a nós em forma de visualidade didatizante e repleta de significados, presentes na educação e na organização da universidade e do estudo superior.
O que estes lugares apresentam como emblemas de uma ordem visiva que, ordenada pela Perspectiva, elabora um complexo discurso de convencimento. Na alegoria de Cesare Ripa,
“a Retórica, bela senhora ricamente, com uma expressão alegre, tem a mão direita elevada e aberta e na esquerda um livro e um cetro, portando nas vestes esta frase escrita: Ornatus Persuasio. Seus olhos são vermelhos e seus pés pisam sobre uma quimera. Sua mão aberta é um aviso que o orador deve mantê-la solta para que interprete e gesticule”

O convencimento e a persuasão são elementos encontrados na Arquitetura representados pelos programas palladianos que concedem espaço para as narrativas da escultura e da pintura. Na cidade de Vicenza, o programa do teatro apresenta o desejo de uma cidade de reinventar a origem de sua linguagem e de seu povo. O mesmo programa esta aberto em igrejas, palazzi e lugares onde o discurso visual apenas descreve a imagem ou apenas enuncia a sua possibilidade.
A perspectiva projeta o espectador para fora da dimensão da pintura ou da arquitetura. A representação do espaço restringe o pensamento e abriga uma narração ideal, que cola-se a um espaço reinventado. Santo Inácio de Loiola, São Domingos e Santo Ambrósio elaboram tratados que aqui denominarei de perversão visual, onde a imaginação (ou invenção retórica) cria cenários para a tragédia humana, no ensejo da purificação.

Neste caminho, encontrei as stanze delle mereviglie, os quartos ou armários onde estariam abrigadas as imagens agentes, guiadas por um ideal estético-retórico. Concentração de invenções, histórias, alegorias, mitologia e alquimia, surgem como obra de arte total, elevação de inteligência e trajetos para o espírito em mutação. Nos quartos e armários estão as coleções de objetos e artefatos cujas origens ligam-se a mirabilia e a oculta história das culturas. Elaboradas como studioli, um quarto de acesso particular de sentidos diversos, estão repletos de excentricidades e imaginário, prenhe de complexas associações.
Entre tantas imagens que possuo atualmente destes quartos, escolhi esta como imagem agente, este armário que apresenta um esqueleto a maneira fantasiosa de Vessalius em sua De Humani Corporis Fabrica, que queda-se a meditar sobre uma coluna e um clepsidra. Este Memmento mori elenca a vaidade, mas a representação do corpo é a angústia do futuro (como age em nós o ‘Col Tempo, de Giorgione, na Galleria da Accademia di Venezia). Plenos de conversações, os quartos de maravilhas originam os museus de história natural quando maravilhas naturais e os museus e galerias de arte quando o acervo contempla a escultura, pintura, ourivesaria, gravura e outras artes.
É neste espaço da representação, auxiliado pela invenção e didatizado pela perspectiva que acontece a narração, a história que é contada. Esta escritura banha-se na moral dos gestos e costumes, na fortuna literária de alguns autores e nos aspectos pedagogizantes. Os quartos, gabinetes, estúdios, armários, galerias e museus apresentam-se em minha pesquisa como câmeras de projeção de uma memória artificialis, de onde brotará o convencimento e a persuasão. Que sociedade é esta que necessita de sedução narrativa para configurar seu imaginário? Confesso que sinal já me assombrava, mesmo antes de encontrar outros locais fantásticos habitados pela representação corporificada da sociedade. Na Gruta dos Capuchinhos de Palermo, testemunhei o arranjo de corpos ressequidos me pequenos teatros sociais, onde os papéis de origem ainda continuavam a ser desempenhados: uma família com uma mãe, pai e filho natimorto permanecia fixada junto a uma parede calcificada, desempenhando seu papel social e creditando o status de sua origem nas vestes carcomidas, mas visíveis. O teatro do mundo ali cenografado em seis quilômetros de cripta não ousa apresenta uma alegoria de si, mas existe na angustia do futuro, novamente ele. O desamparo de uma narração faz surgir em algum lugar o desejo de história, à guisa de completude e voz. O mutismo eloqüente da sociedade descarnada de Palermo eleva-se ruidosamente a níveis insuportáveis.
Didatizar o aparecimento das imagens pela ars memoriam, de Cícero:
“Aqueles que desejem re-evocar (reminisci), isto é, fazer qualquer coisa mais espiritual ou intelectual que simplesmente recordar, retirem-se da luz pública para uma obscura intimidade, pois, na luz pública, as imagens das coisas sensíveis (sensibilia) estão dispersas e seu movimento é confuso. Na obscuridade, pelo contrário estão compactas e movem-se em ordem”

A obscuridade, os lugares e outros artifícios são recursos retóricos caros aos museus e galerias, aos museus de história natural e aos locais de exposição e mostras de arte. Entre arcos e colunas de um programa visual situam-se as imagens que se pretendem imagens agentes, em busca de uma nova história para sua existência.
Desta forma, a Retórica e suas Pinturas, aliada a ars memorian, a perspectiva e aos programas visuais elaborou complexo percurso discursivo, que acabou por dispensar a própria imagem, purificando-se na intelecção e na narrativa condescendente. O objeto da arte contemporânea é seu próprio discurso, tecido na purificação e projetado pela perspectiva excludente, projetado na câmera da memória da existência.

na saleta abafada, as mulheres falavam baixo e respiravam...atras do biombo, uma delas descrevia a viagem de navio que faria semana que vem, como seria perfeito se a cabine fosse com vista para o mar...ouvia-se o som da cera quente sendo arrancada da pele, levando com ela os pêlos indesejados...
minhas unhas estavam sendo cortadas e cobriam um pedaço pequeno do assoalho de tacos...as pálpebras baixaram suavemente, minhas duas mãos atrás do joelho esquerdo sustentavam a perna e o pé...baixei a vista e foi ai que vi uma fila de formigas encorpadas e escuras que carregavam meus pedaços de pele e unha para um buraco no batente descascado da porta de entrada...meias-luas brancas e finas por cima das cabeças das formigas, que continuaram até não ter mais o que carregar.

espera

Tuesday, April 18, 2006

blake

  Posted by Picasa

pedaço

hoje, dezoito de abril vou começar a escrever e desenhar minhas imagens, palavras e sons.