Tuesday, May 24, 2011

Bienal de Veneza e a pintura

Entre futuro e passado
pubblicata da Sebastião Miguel il giorno martedì 24 maggio 2011 alle ore 10.26

Inspirada na obra do pintor Tintoretto, Bienal de Veneza busca recuperar a dimensão histórica das artes plásticas



SILAS MARTÍ

DE SÃO PAULO

"La Creazione degli Animali", obra de Tintoretto

Não é a luz fria, racional, do minimalismo. É um farol dramático, teatral, que deve nortear a Bienal de Veneza, que começa em 4 de junho.

Se os brasileiros ficaram de fora da mostra principal, deixando espaço só para Artur Barrio -português radicado no Rio que vai ocupar o pavilhão do Brasil nos Giardini-, o resto da mostra tomou como lastro Tintoretto (1518-1594), artista que despontou em Veneza há nada menos que cinco séculos.

Bice Curiger, a curadora suíça que está à frente da mostra, decidiu buscar no artista do Maneirismo italiano uma dimensão histórica para a bienal, que é vitrine recorrente da vanguarda.

"Incluir um mestre do passado pode ser um pouco perigoso, já que podem interpretar isso como um resgate de valores ancestrais", diz Curiger em entrevista à Folha.

"Mas Tintoretto é um anticlássico, ele quebrou todas as regras do Renascimento." Quebrando as regras não escritas da Bienal, Curiger então decidiu ancorar uma seleção de jovens artistas (grande parte tem menos de 40 anos) em torno de três telas clássicas do pintor célebre por retratar a luz de Veneza, solar e estridente.

Não à toa, sua mostra se chama "ILUMInações", grafado assim mesmo, para destacar a luz das nações que mandam seus melhores artistas a cada dois anos para esse mesmo porto central.

Embora seja referência a poemas de Arthur Rimbaud (1854-1891) e ao famoso ensaio de Walter Benjamin (1892-1940) sobre o surrealismo, o nome quer ressaltar o lugar onde a mostra acontece: Veneza. Além disso, o título reafirma as representações nacionais de países que ainda têm na mostra italiana seus entrepostos de influência cultural dali para o mundo.



Curadora de Veneza quer "olhar para a história"

Para Bice Curiger, arte contemporânea se tornou autorreferente em excesso

Com maioria de artistas dos EUA e da Europa, seleção da Bienal foi criticada em redes sociais e publicações





"Tintoretto é um forasteiro em vários sentidos, ele é de outro século", explica a curadora da Bienal de Veneza deste ano, Bice Curiger, sobre a escolha do pintor de quase cinco séculos atrás como guia da mostra.

"Quando pensei na exposição, não queria algo ultracontemporâneo, como um disco voador que aterrissasse em Veneza. Não queria as pessoas navegando por esses canais como se fossem as ruas do Chelsea", diz.

Por mais distante que o bairro das galerias descoladas de Nova York pareça das vielas aquáticas de Veneza, os EUA emplacaram mais artistas que qualquer outro país entre os 82 nomes escolhidos por Bice Curiger. Também estão ali 40 europeus, o que levantou críticas a ela.

Em jornais, revistas e redes sociais, Curiger foi atacada pela seleção "conservadora", de nomões do eixo EUA-Europa, quase ignorando potências emergentes nas artes.

"Acabamos chegando a uma lista grande demais e decidimos cortar alguns nomes, tirando quem já tivesse participado da Bienal", disse Curiger. "Todos os brasileiros que me agradaram caíam nessa última categoria."

Estiveram na mostra principal da última Bienal de Veneza, por exemplo, obras de Cildo Meireles, Renata Lucas e Lygia Pape, esta última homenageada agora numa retrospectiva em Madri.

"Podia fazer uma exposição maior, mas eu não sou a única voz", diz Curiger.

Na própria mostra, ela destaca artistas como a dupla chinesa Birdhead, que faz uma espécie de diário fotográfico das transformações urbanas da China, as alemãs do Das Institut e a escultora irlandesa Rebecca Warren.

"Ela faz esculturas que lembram a história da arte de um jeito vibrante", diz sobre Warren. "Usa o material como uma câmara ecoica para inventar o novo a partir de velhas vozes."

De certa forma, é o que Curiger espera da exposição. Trata-se de transcender a contemporaneidade para além de reflexões sobre o passado recente, num mergulho mais profundo.

"Arte contemporânea é muito autorreferente, só volta até o modernismo e não cruza essa linha, que parece ser um tabu. É interessante olhar para a história, ou histórias, no plural. Essa é a minha proposta."

(SILAS MARTÍ)